quarta-feira, janeiro 24, 2007

A Caminho da Servidão!

“é difícil imaginar como é que homens que renunciaram ao hábito de se governarem a si próprios podem ser capazes de escolher devidamente aqueles que devem governá-los, e não é possível acreditar que um governo liberal, enérgico e hábil consiga sair dos sufrágios de um povo de servos”, Alexis de Tocqueville, in Da Democracia na América

Sob a capa da unanimidade, vivemos tempos perigosos. Habituados a solicitar ao Estado, quando não a exigir”, a resolução dos nossos problemas, este foi entrando cada vez mais profundo na nossa vida. Iludidos pelas pseudo-vantagens dessa intromissão fomos esquecendo que ela contém em si um preço demasiado elevado a pagar, a liberdade! A liberdade enquanto conceito e a liberdade enquanto direito de decidirmos a nossa vida e, principalmente, a liberdade dos nossos filhos decidirem a deles. Sem o perceber, vamos reduzindo a nossa esfera económica e social, deixando a mesma ser invadida pela “ditadura” do Estado, facto que vem acontecendo sob a “asa protectora” da democracia.
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Sempre que solicitamos ao Estado uma nova actuação na busca de uma solução, seja para a Saúde, para a Educação, para a Cultura, para a Economia, ou para qualquer outra área da sua (quase) infinita sede de intervenção, abdicamos de parte da nossa autonomia, de parte dos nossos rendimentos e, mais importante, de parte da nossa liberdade e de muitas das nossas oportunidades.

Não devíamos esquecer, e esquecemos quase sempre, que cada euro que o Estado gasta para suprir uma nossa necessidade, desejo ou ambição, é menos um euro disponível para nós próprios o fazermos. Não devíamos esquecer que o Estado é uma abstracção, mas uma abstracção bem real, pois impacta profundamente na nossa vida e fá-lo com o nosso dinheiro, sim o nosso, e com os poderes que explicita e implicitamente lhe fomos conferindo. A cada nova promessa vem atracada uma nova “subida provisória de impostos” para a cumprir. Do IVA a 17% até ao actual IVA a 21%, a subida foi sempre “provisória” e, é de temer, que realmente o seja, mas apenas porque um dia passará para 23%.

Sempre que as auto-estradas sem portagens, as OTA´s e os TGV´s da nossa desgraça nos são apresentados como soluções milagrosas para o nosso desenvolvimento, ou que nos é dado um novo “choque tecnológico”, é um bocadinho mais da nossa independência que está a ser alienada, porque projectos “sem custos para o utilizador ou para o contribuinte” são sempre pagos por nós, a pronto ou a prestações, hoje ou amanhã, mas pagos por nós. E a única certeza que podemos ter é que o seu resultado será sempre menor do que o apresentado e o seu custo (muito) maior do que o previsto.

Sempre que o “Estado” afirma redistribuir, pelo povo e pela promoção do “serviço público” (o que raramente se percebe o que significa) a favor dos oprimidos e contra os opressores, pelos mais bonitos e saudáveis motivos, devíamos também lembrar que quem “pede” cada vez mais (impostos) para redistribuir não está a criar riqueza, apenas a mantém ou (normalmente) a destrói. Se esse mesmo dinheiro se mantivesse nas mãos dos seus legítimos proprietários, aqueles que o ganharam, seria certamente investido no seu progresso e no dos seus (porque é essa a essência humana), pelo que o resultado seria mais legítimo e melhor, para cada um de nós e para o somatório que é o todo.

A história e as estórias podem ser nossas professoras quando nos dedicamos ao seu estudo. E estas “dizem-nos” que as novas “soluções”, entidades ou funções criadas pelo Estado conduzem normalmente não a soluções mas a novos problemas cujo combate implicará novas “soluções”, novas entidades e funções, numa insaciável espiral de… empobrecimento.

Hoje, nesta nova sociedade em que vivemos, dominada pelo sector terciário, urbana e de “massas”, como referido pelo Historiador Pacheco Pereira, a introdução da tecnologia nas rotinas do nosso dia-a-dia e cada vez mais na esfera mais intima e privada da nossa vida, torna os cidadãos cada vez mais expostos à intromissão dos outros e, mais grave, à crescente intromissão do Estado. Instrumentos glorificados pela simplificação da vida diária, como é exemplo recente o “cartão do cidadão”, documento único que substituirá vários documentos até agora separados e cuja informação era guardada em bases de dados não comunicantes, permitirão um dia (sob afirmação convicta de que não, que tal não acontecerá) o acesso a toda a informação sobre cada um dos cidadãos com um mero click.

“Big Brother is watching you”, que associamos candidamente a um livro, o famoso “1984” de George Orwell, é algo para o qual caminhamos alegres e quase que anestesiados.

Sob a ilusão da Democracia Directa, um ideal de democracia onde “todos os cidadãos podem a todo o momento decidir sobre todos os assuntos” combatemos o tempo e o recato que as decisões de poder exigem, e caminhamos para a Demagogia não para a Democracia, que segundo os Gregos eram irmãs gémeas nascidas no ambiente de Democracia Directa.

Consequência destes mecanismos convergentes, o princípio (que deveria ser sagrado!) da Propriedade Privada é paulatinamente devastado e o Estado, sob os mais diversos pretextos, vai em nome do “serviço e do bem público”, desrespeitando uma das bases fundadoras da Democracia e da Liberdade, e do Estado de Lei que as garante.

E assim vamos caminhando, até que um dia um qualquer governo, já sem como “pedir aumentos provisórios de impostos” e, julgando ter acesso à galinha dos “ovos de ouro”, decide, sob aplauso de um povo alienado, abrir a “bicha” e descobrimos então que já não existe ouro na sua barriga. Porque vivemos na ilusão de que ela existe e que o seu ouro é infinito. Já esteve mais longe esse dia!

E o “Caminho para a Servidão”, como Friedrich Hayek nos alertou, ficará cada vez mais próximo. in Litoral Magazine, Nov06

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